quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O Fim e o Princípio (de quê?)

Depois de cada guerra
alguém tem de fazer a limpeza.
As coisas não se limpam
a si próprias, afinal.
Alguém tem de afastar os escombros
Para a berma da estradas,
Para que as carroças com os cadáveres
Possam passar.
Alguém tem de meter-se
por entre a lama e as cinzas
por entre as molas dos sofás
por entre os vidros partidos
por entre os farrapos ensanguentados.
Alguém tem de arrastar a trave
Que escorará a parede,
Alguém tem de por o vidro na janela
E colocar a porta nos gonzos.
Nada disto é digno de ser fotografado
E demora anos.
As máquinas fotográficas partiram já
Para outras guerras.
As pontes têm de ser reconstruídas
E as estações ferroviárias também.
As mangas das camisas ficarão rotas
De tanto serem arregaçadas.
Alguém, vassoura na mão,
Se lembra ainda de como foi.
Outro alguém escuta, acenando que sim
Com a cabeça
Mas já outros, ali perto
Acham tudo aquilo um pouco maçador.
De vez em quando alguém
Desenterra ainda numa moita
Um velho argumento enferrujado
E lança-o na lixeira.
Os que sabem
o porquê e o como
vão ceder lugar
aos que pouco sabem.
E aos que sabem menos ainda.
E por fim mesmo nada.
E na erva que vai crescer
Sobre as causas e os efeitos
Alguém deverá deitar-se
de espiga nos dentes
olhando as nuvens
O Fim e o Princípio por Wislawa Szymborska

Clarice ali, a olhar para mim

aTrouxe o único exemplar que havia na FNAC. Não sei se houve mais.apenas que Clarice estava lá, à minha espera, a detestar a tradução do título que fizeram. A Mulher mistério tem uma biografia cujo título português é demasiado evidente. Why This World transformou-se em Clarice Lispector - Uma Vida. Mau presságio?


Sou invadida pela mesquinhez. Invejo o autor, que tem a minha idade e que se dedicou a esta obra monumental (refiro-me ao volume e às leituras documentadas, que sobre o conteúdo ainda nada posso acrescentar). Folheio o livro a invejar uma paixão idêntica, mas que foi muito mais longe que a minha. Pobre de mim, SÓ leitora.

domingo, 26 de setembro de 2010

Qual o valor de uma biografia?

Curiosa, a forma como esta biografia é apresentada ( ainda não li). Como se a obra de Clarice Lispector não fosse suficiente para esta ser reconhecida ; como se a biografia desenhada por outras mãos suplantasse a escrita da própria. Como se esta fosse a primeira vez que se escreve sobre Clarice.
Título estranho, este. 

Lullaby de Domingo


Semana de apresentações: um admirável mundo novo. O receio estampado em alguns rostos. Noutros, desafio. Aborrecimento. Curiosidade. Entreolham-se: aquele é idiota, aquela tímida.  O do lado é giro. O que está no canto certamente não é de cá. 
Tenho cinco salas repletas de rostos ansiosos que iniciam agora um percurso num espaço que para a maioria é desconhecido (e insuficiente, em alguns casos). 
Cá vamos nós.

domingo, 19 de setembro de 2010

Lullaby de Domingo


No can do this!
No can do that!
What a hell can you do, my friend?
In this place that you call your town 

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"A linguagem administrativa é a minha única língua"*

"Reduzir-se-ão todas as relações humanas aos cálculos de prejuízos e de interesses, e todos os problemas à liquidação de contas?"
Lévinas, citado por Chaterine Chalier em Lévinas, a Utopia do Humano


A Comissária Europeia Vivien Reding pronunciou-se sobre a expulsão dos ciganos ordenada pelo governo de Sarkozy e o Eliseu declarou-se profundamente ofendido, apesar das suas  pretensões xenófobas, com as palavras da comissária. Durão Barroso secundou e bem a Comissária.
Por cá, a música é outra. E dos dois principais partidos (o CDS não conta, nem surpreende) temos  vetos a moções de censura à política de Sarkozy e juras de compreensão e clarificação de intenções do mesmo apresentadas por JS e PPC.

O pormenor que parece escapar aos meninos maravilha é a de que a França de Sarkozy (e que não é dele) não expulsa "apenas" os imigrantes ilegais no País. Sarkozy ordena que a prioridade seja dada aos ciganos.  E é esta a diferença fundamental que torna esta uma questão de xenofobia e não apenas questão de segurança, bandeira que é sempre acenada quando alguns Estados pretendem usar de metodologias pouco recomendáveis, em claro choque com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O assentimento que ambos, o efectivo e o aspirante a Primeiro Ministro,  fizeram questão de dar ao seu colega francês apenas esclarece que partilham de uma mesma dificuldade: pensar do ponto de vista do outro. É difícil para esta gente, mas é muito é perigoso para todos nós. Porque é preciso aprender com o que já fomos capazes de fazer, porque não podemos permitir que no seio desta Europa que acreditávamos muito distante da outra, voltemos a expulsar pessoas em função da sua etnia. Porque é preciso, de forma clara e inequívoca esclarecer estes burocratazinhos que nos governam ou que aspiram a governar, que os seus ares graves de estadistas não  nos enganam quanto à pequenez da sua capacidade de entender o Outro como digno de respeito.

*Eichmann, um bom funcionário, citado por Hannah Arendt em Eichmann Em Jerusalém - Uma Reportagem Sobre a Banalidade do Mal.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Banhado a ouro

Primeiro ri com vontade em relação à vontade do golden boy de que entremos na rota da excelência. 
Depois percebi que a meta é perfeitamente exequível, já que o garçon d'or refere-se a dados percentuais, com efeitos meramente estatísticos. Pelo menos é coerente. O nosso menino d'oiro não quer ser. Apenas parecer.

Renovação de quadros

Passos Coelho continua. Dia sim, dia sim senhor, cá está ele a lançar uma opinião, uma pergunta, um reparo., um petardo sobre quase tudo o que mexe. Até sobre a demora da divulgação do acordão do processo Casa Pia PPC teve algo a dizer. O professor Marcelo e o VPV já devem andar a fazer contas à vida. Afinal, é mais um especialista generalista a rondar-lhes a coutada (agora que as sondagens lhe tiraram a aura de menino prodígio - de ouro é o outro).

Vamos lá ver se isto consome mais 7 anos

Foram 10 dias de atraso? Então, queremos mais 10, por conta de juros de mora.

Boa Semana

Ou 14?





sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Regresso às aulas

Não posso deixar de sorrir perante os problemas de impressão e gravação que atrasam a entrega do acordão do processo Casa Pia na data prevista.
Muitos/as dos/das meus/minhas alunos/as conhecem de cor este tipo de vicissitudes quando têm que entregar algum trabalho escrito. É do tinteiro, dizem eles/as.

Está tudo grosso?

Se fiquei surpreendida com o facto de o Prós e Contra de segunda-feira ter sido dedicado à defesa de Carlos Cruz, ontem fiquei ainda mais perplexa com o facto de perceber que a Grande Entrevista de Judite de Sousa tinha como convidado a mesma personagem. Mas alguém pode perguntar à RTP o que se passa? E já agora, como vai resolver o problema de dar tempo de antena a todos os condenados pelo sistema judicial português que alegam injustiça? Ou a brincadeirinha é só permitida a alguns?

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

L'étranger

Here is the scene. It takes place in my native town Oran in Algeria, in 1940 during the war. As a doctor, my father is mobilized suddenly he is a lieutenant of war in front. This necessary misfortune has an advantage: the terrestrial paradise opens before me in the form of the Cercle Militaire, a superb garden reserved for the class of officers. (...). Now I am admitted, at least this is what I think. Joy of the earth, the plants, the trees. I am inside, and yet. A superior force keeps me from being truly inside, and I do not know his name. I see that the other children do not admit me or that something separates me from them, but what? (...). There must be a key, a password, a code, a shibooleth. Until the day I hear these hard angels speaking amongst themselves of an object of desire. This species wants: stamps. Stamps!! Now I understand. What I must give to enter at last into the inside of the inside of the Cercle Militaire, to pass the invisible customs is: Stamps.
In an instant I get up, I step forward and I make my declaration. I'll bring you stamps. My house is full of stamps. Do we not have an immense family that Hitler is disseminating across the earth and in the airs? Those who have managed to escape Germany write from the four corners of the universe. I have all sort of stamps, (...), I know the entire world.
From high in the little sky a six-year-old girl spits on my head: Liar! The word is sharpened, it falls on my brow and makes a gash. I vacillate. Liar! says the voice of flint. You have no stamps. Because: all Jews are liars.
(...). Jew? Liar? I hear the hate and the veredict.
Hélène Cixous, Stigmata

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Hoje os Sinos Dobram Por Ela

 (fotografia encontrada aqui)

A Ilha fica mais pequena quando abriga notícias como esta,  culminar hediondo de muitos casos de violência com porta fechada e vizinhos/as silenciosos.
Não é só este homem que tem as mãos sujas de sangue. Todos/as nós, quando ensinamos aos/às nossos/as filhos/as a lengalenga de que as mulheres são fingidas, matreiras, promíscuas, preguiçosas, idiotas, bonecas decorativas,  mulheres de alguém que não senhoras delas mesmas.; quando desvalorizamos estes casos e procuramos explicações para que um homem se passe desta maneira; quando ensinamos aos nossos/as filhos/as que as mulheres fingem agressões, que são doidas, que alguma coisa fizeram para merecer isto. Temos as mãos sujas de sangue, sempre que apelamos à reconciliação do casal, mesmo sabendo que as agressões sempre existiram.
Ao que parece, o caso estava sinalizado. Ainda assim, aquilo que oferecemos a esta mulher foi esta morte terrível, porque não estivemos à altura de responder ao seu pedido de auxílio.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Também é verdade

Que a maioria dos/as arguidos/as que foram condenados/as neste País não têm a comunicação social a propagar-lhes as declarações de inocência. Cumprem a pena aplicada porque não há ninguém que se interesse pelo que eventualmente têm a dizer.  Portanto,  não me comovem declarações sobre barras inteiras de sabão azul e branco* ou de desbarato de fortunas pessoais que já se sabia serem escassas antes do processo. E não fossem conhecidos os senhores e não tínhamos tanta  gente a consultar-lhes as páginas e a proclamarem realmente ele tem lá tudo, não m'acredito que ele seja culpado.


*E dão tempo de antena à criatura para afirmar que nos centros comerciais vão olhá-lo como se fosse um macaquinho e que quer que o mesmo aconteça a todos os envolvidos do processo, vítimas incluídas. Declarações destas, na infância, dão mesmo direito a que se lave a boca com sabão azul.

Boa Semana

domingo, 5 de setembro de 2010

Lullaby de Domingo

O mês de Agosto não ficou marcado pela saída de Suburbs, dos Arcade Fire (não sei se tornarei a ouvi-lo novamente, tal foi a sensaboria da primeira audição). Fica marcado pela saída do 3.º álbum de Isobel Campbell e Mark Lanegan. Gosto mesmo do que estes dois fazem.


sexta-feira, 3 de setembro de 2010

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Uma Questão de Sobrevivência para o Consumidor

E assim se resolve o problema, tão eloquentemente exposto pelos industriais do sector :



Da Idiotice Elevada a Arte

Já não basta a euforia desenfreada das editoras em relação aos manuais escolares, o sector mais mafioso da indústria. Os manuais escolares, que na forma são topo de gama (melhor papel, coloridos q.b., cheios de recursos pseudo-pedagógicos xpto) e que são enviados para as escolas mesmo em cima do limite de escolha (para que não haja grande tempo para uma verdadeira análise), são vendidos a preços que não escandalizam quase ninguém - a não ser os pais que, por esta altura e muito timidamente, ainda esboçam algumas críticas. Em vão. Nisto não se mete o Ministério, na regulação desta pouca vergonha que cresce a olhos vistos. É dar livre trânsito, que isto mexe com muito dinheiro.
Comecei este post por afirmar que já não basta a euforia do sector mais mafioso da indústria livreira; agora, temos também o restante material escolar a receber honras de projecto moda. O que eu gostei do termo "júnior fashion advisor". Pena que a maior parte dos/as destinatários/as não consiga pronunciá-lo (quanto mais compreendê-lo).

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Uma pergunta para Sancho


Quantos bolos tiveste que comer para subsidiar a visita de Bento XVI?

Um desenho para Sancho

Na caixa de comentários:

"A UMAR é uma entre muitas associações (como a Casa do Brasil, a ILGA, a SOLIM ou os proto-escuteiros de não sei onde) que ocupam espaços cedidos pela câmara, e paga renda - reduzida, é certo, mas paga!
E não esqueçamos que estamos a falar de uma Entidade de Interesse Público, estatuto publicado em Diário da República. Se as actividades desenvolvidas têm significativa relevância pública, o mínimo que o Estado pode garantir é um espaço condigno para o desenvolvimento de tais actividades.
Na primeira página do site aparecem iniciativas relacionadas com direitos LGBT porque foram as últimas iniciativas (públicas, visíveis) da UMAR. Basta olhar para as datas para ver que o critério é, precisamente, a data e a actualidade das "notícias".
(...)
E quanto à tomada de posição sobre a condenação da Sekinah, a UMAR assinou petições, anda há meses a divulgar esta barbárie (bem antes de ela ser "mediática") e divulgou a iniciativa do Camões na página do facebook, onde tem mais de 2000 amig@s. Já foi dito: ainda que os direitos das mulheres não tenham férias, as férias são um direito destas mulheres."
Ass:
Quase-Bolseira da FCT
Beneficiária da Porta 65
Subsidiada de outras coisas
Deficitária de emancipação

O que o Sancho poderia ter encontrado à distância de um click, mas não quis:

 Projecto BIG 
Mudanças Com Arte
OMA
ORGM
Centro de documentação Elina Guimarães
Grupo de trabalho Género e Água 
Iniciativas que não envolvem necessariamente bolos*

 Mas acha pouco e indigna-se com os apoios que a UMAR tem conseguido (apoios a que qualquer associação pode candidatar-se se trabalhar para tal) , como único grande contribuinte deste País que é o Sancho. 
Já agora, caro amigo, que descubro que és um mãos largas e andas a financiar isto tudo, pagas tu o jantar de sexta?

*e não continuo porque acho que já deves ter percebido como funciona um site.