domingo, 8 de março de 2015

Dia Internacional das Mulheres

Esta caricatura publicada no Charlie Hebdo demonstra maravilhosamente a atitude do mundo ocidental face à comodificação [peço emprestada a palavra ao Fairclough] do corpo das mulheres.

Enquanto este serve para ser olhado, cobiçado, tocado, manipulado para o prazer do outro, tudo bem. Quando as proprietárias desses corpos reclamam para si o poder de os usar como bem entendem, inclusivamente, desnudando-se [pasme-se!] para si ou como forma de luta, e não para serem vistas pelo olhar masculino, então é o nosso senhor nos acuda, que o mundo acabou e é tudo uma pouca vergonha.

FEMEN par Charlie Hebdo
E não, contrariamente ao que sugere Inês Ferreira Leite, no Maria Capaz, não são as mulheres que impõem às outras o modelo de perfeição. Não basta ela perguntar aos homens que se conhece se eles valorizam ou não a celulite nas pernas de uma mulher. Convém observar a publicidade e as revistas - é que, que  eu tenha notado, nem a Playboy ou qualquer outra revista masculina apresentam modelos diversos de beleza feminina. É sempre o mesmo modelo monolítico da mulher [preferencialmente branca], magra, ou muito magra, pele uniforme, sem poros e só com alguns sinais estratégicos, de cabelo arranjado e de boca semiaberta; e não, não têm celulite. Toda a gente no ocidente sabe reconhecer o modelo de beleza feminina dominante. Precisamente, porque ele se impõe. Contrariamente ao que IFL faz, não se pode avaliar a realidade a partir das opiniões e comportamentos dos amigos - à partida, se são amigos, logo [pelo menos os meus] são homens maravilhosos [e seres humanos que eu muito admiro]. Mas há mais mundo para além do umbigo. Nem sempre é bonito, mas está lá. Ignorá-lo e dizer que são as mulheres a principal força da sua própria opressão é pura e simplesmente ignorar todos os dados empíricos que vão além do umbigo de quem investiga. Eu também conheço homens cretinos. Mas não os chamo de amigos e, sempre que posso, evito-os. (ah! E culpar as mulheres por serem a fonte da sua própria opressão não é feminismo; é apenas um reflexo da ideia medieval de que as mulheres são todas más como às cobras e invejosaassss).

E neste dia Internacional das mulheres, se calhar, podíamos aproveitar e refletir sobre a facilidade com que aceitamos a discriminação contra as mulheres como conceito comercial, em pleno século XXI. O que li sobre a intervenção das feministas na barbearia causou-me perplexidade. Uma coisa é criticar a ação (por se defender outros tipos de intervenções); outra, muito diferente, é defender como admissível um conceito comercial que coloca as mulheres abaixo de cães e que, ilegalmente, lhes interdita a entrada, com base na ideia ser muito gira, e os tipos até são empreendedores e, ah, claro, o conceito está disseminado na Europa (se os outros têm é porque deve ser bom). Ah, e já agora aproveitar a onda da reflexão e olhar bem para a capa da Lux Woman que tem duas «feministas assumidas» - o assumida (o adjetivo usado para revelar publicamente alguma característica que se sabe ser reprovável pela maioria) deixa antever a confusão que vai nas cabecinhas de muita gente a propósito do conceito de feminismo. O Priberam sabe o que é, já o Ciberdúvidas, cujos conhecimentos da língua portuguesa são incontestáveis, está um pouco confuso.

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